terça-feira, 27 de dezembro de 2016

Grisalho
















Grisalho rima com agasalho, com o aconchego das histórias de quem já viveu ou de quem muito leu... Quase oiço os estalidos da lenha que aqueceu os meus avós, quando pequenos se sentavam ao colo dos seus avós, por debaixo da chaminé alentejana, em busca do calor grisalho.

Ser grisalho é ser no tempo. Os cabelos brancos aparecem por entre os outros e marcam posição. Irreverentes, desordenados, teimosos, fazem o que lhes dá na real gana sem deixar de cumprir o seu papel ético e estético. Trazem novidade à uniformidade.

Quem pintar estes sinais do tempo, trama-se. Os cabelos brancos são persistentes. Tornam a aparecer pela raiz e todos juntos, num tom gozão. Em vez de um matizado sóbrio, tem-se uma melena de barrinha branca.

Esta forma dura de dizer "estamos aqui, pá!" põe as cabeças pintadas em triste fúria, desesperadas por derramar mais tinta sobre as ideias, ferindo de morte a estética capilar. O tempo e o ser, desbotados por pigmentos desconsolados. 

Não é o branco sinal de leveza? E não é a leveza tão necessária à imaginação, à reflexão e até ao amor? Pois então. Grisalhos sejamos.


FC/27Dez2016


quinta-feira, 10 de novembro de 2016

A lição de Ténis



Na mão, a raquete (tensão 26 ou outra qualquer, cada um saberá melhor), pronta para o rápido diálogo com o Outro e consigo próprio (não raro ouvirmos a conversa de cada um com o seu Eu, aos gritos). Com gesto técnico ou aproximado, servimos para o campo que pretendemos atacar sem nunca descurar o campo que nos pertence defender.

O diálogo pode prolongar-se por várias batidas, se não deixarmos a bola tocar duas vezes no chão do nosso campo (resposta atrasada) ou cair fora do campo de jogo do adversário (resposta precipitada). Nas trocas de bolas, manter-se sereno, atento e determinado, até deixar o Outro sem resposta. Nos momentos sobrantes também, pois o trabalho, que a Física define como a força necessária para deslocar um objecto do ponto A para o ponto B, e que aqui definimos como a força necessária para formar um campeão, exige transpiração e inspiração contínuas.
  
Assimetrias quase perfeitas entre destros ou canhotos. Simetrias quase perfeitas entre destros e canhotos. Jamais desviar o olhar da bola, pois as distracções balançam a pontuação entre os 15, os 30, os 40 ou jogo perdido. Não há empates ou lugar para dúvidas, o vencedor é-o com a diferença de dois pontos, dois jogos ou dois sets. Ou diferença maior, se assim se decidir.

Todos os instantes solicitam decisões. Pega de direita, pega de esquerda ou pega martelo? Surpreender o Outro com um vólei? Devolver a bola num potente smash? As bolas com efeito são matreiras… topspin, underspin, sidespin? É preciso saber ter os pés bem assentes no chão e flectir as pernas sem falsa humildade. Estabelecer objectivos reais.

A rede e as linhas marcam os limites da nossa capacidade física e mental. Por entre elas, autodisciplinamo-nos, evoluímos no jogo, ganhamos consciência. Antecipar o lance do outro, perceber-lhe as fraquezas mas, sobretudo, reconhecer as nossas e ultrapassá-las. Só a nós próprios poderemos pedir contas, se perdermos o debate ou se não aprendermos nada. Não há outros culpados.

Num jogo social, somos simultaneamente juízes e apanha-bolas. É preciso confiar no juízo do Outro quando nos anuncia uma falta (as vitórias com batota não têm sabor) e manter as bolas suplentes no lugar certo, sem prejuízo para o jogo ou para o Outro.

A cordialidade e a generosidade distinguem os bons jogadores.

Desde a movimentação do corpo até ao batimento, não esquecendo a posição em campo, tudo contribui para aumentar a vantagem em relação ao adversário ou recuperar pontos perdidos. O tempo não é factor limitante, antes pelo contrário. Nem a idade. Nem tampouco a pontuação, pois todos os resultados são reversíveis até à concretização do match point.

O bom humor espreita algumas batidas, roubando, por momentos, importância à pontuação. Mas o que seria a vida sem os momentos bem-dispostos?

Como em tudo, a experiência dar-nos-á a sabedoria para apreender a complexidade do desafio. Em superfícies sintéticas, de cimento, terra batida, relva ou quaisquer outras.

FC/Nov2016


quarta-feira, 4 de maio de 2016

A Lei de Thierry















A Lei do Mercado (2015),La loi du marché (original title)
De Stéphane Brizé
Com Vincent Lindon, Karine de Mirbeck, Matthieu Schaller
FRA, 2015, Cores, 93 min




O filme «A Lei do Mercado», de Stéphane Brizé, oferece-nos uma imagem do mundo actual, a partir de fragmentos da vida de um homem comum. Ao individualizar a história através de uma proximidade quase intimista e tão perfeitamente estética com a personagem principal, o autor universaliza. Somos cada um de nós, ali, confirmado pela presença de actores não-actores que participam no filme e lhe conferem uma dimensão real. É um filme-documentário do nosso mundo, da nossa vida. É o nosso filme.

Thierry, interpretado pelo extraordinário Vincent Lindon, tem 50 anos, é casado, tem um filho adolescente com paralisia cerebral, está desempregado, desiludido, angustiado, derrotado, porém, moralmente resistente e socialmente resiliente. Tem o apoio afectivo e efectivo da mulher, personagem interpretada por Karine de Mirbeck, e a alegria do filho Mattthieu, jovem aspirante a biólogo, interpretado por Matthieu Schaller. A esfera privada mantém-se harmoniosa, apesar de todas as ameaças financeiras exteriores. Há intimidade e solidariedade, projectos em comum. É o nicho da resistência.

Thierry vive uma crescente perda do mundo, onde a vacuidade de uma linguagem híbrida, entre a pseudo-moral e as noções-básicas-de-economia, inadequada à expressão normal da fala e do raciocínio, anula a força dos valores absolutos e universais da sociedade (como por exemplo, o bem e o mal) e o valor intrínseco das coisas e dos objectos. Tudo é vulnerável, de acordo com a relatividade das relações sociais e do comércio, bem conduzida pela Lei do Mercado.

O centro de emprego, os cursos de formação e as reuniões sindicais por onde Thierry passa, não oferecem respostas. São lugares corrompidos pelos valores do mercado, utilizando as pessoas como objecto de troca comercial. E quanto maior for o número de trocas, maior será a acumulação de riqueza. Eis a Lei Fundamental do Mercado, que vem substituir a burocracia na sua bem sucedida tarefa de incluir no sistema totalitário tudo o que é individual, anulando-o.

No filme não há pessoas boas ou más, apenas pessoas comuns. Porém, pressentimos um mal que se desenvolve até extremos inaceitáveis e se alastra como se fosse uma praga incontrolável, contagiando trabalhadores, empregadores e consumidores, as categorias actuais mais proeminentes na sociedade. Estão criadas as condições para a prática da banalidade do mal, não sob a forma violenta que assistimos na Europa do século XX, mas numa outra forma ainda por definir, que empurra os homens para níveis próximos da animalidade, onde se limitam apenas à imperiosa necessidade de garantir a própria sobrevivência.

Os homens vivem perdidos numa solidão organizada das massas, esmagados pela roda dentada do trabalho e do consumo, conformados perante o gigantismo das administrações que comandam a sua existência. Mudos, sem Verbo. Não os move a paixão ou o ódio, próprios da vida em comum. Apenas o medo de perder o emprego.

O que o filme de Stéphane Brizé nos mostra, para além do jogo perverso do mercado do trabalho, é a capacidade humana de ajuizar e decidir, ainda que em circunstâncias difíceis. Thierry fá-lo ao longo do filme, bem visível na expressão do seu olhar, enquanto vai correspondendo às propostas dos empregadores. No final do filme, perante uma situação-limite moral, Thierry reage em conformidade com o seu carácter, ou seja, age, pois recupera a autoria das suas acções. Sairá derrotado? É a pergunta que fica no ar.

Uma nota final: o filme foi feito com um orçamento baixo, de modo a que os eventuais lucros fossem condignamente divididos por toda a equipa. Sem ordenado para o realizador e actor principal, sem iluminação e sem maquilhador, entre outras poupanças.Uma verdadeira economia financeira sem contenção moral, que impregnou o filme com uma aisthésis particularmente bela. A fotografia é de Éric Dumont. Terão, por isso, saídos derrotados? 


FC/Maio2016



sexta-feira, 8 de abril de 2016

Fico assim sem você













Para o João Eduardo Ferreira

Almoço sem batata
Conversa sem vinhaça,
Sou eu, assim sem você
...
Ausência na open-jaula
Ginásio sem "Fernanda Paula!"
Sou eu, assim sem você
...
Porque é que tem de ser assim
A bicharada  não tem fim
És preciso a todo o instante
Nem mil aves cantantes
Vão poder passar sem ti
...
Eu não resisto sem saber o Quê
Eu não insisto sem o meu amigo
São muitas horas sem poder escrever
A caneta está de mal comigo.
Porquê? Porquê?

FC/Abril2016

[Texto inspirado em Fico assim sem você, de Adriana Calcanhoto]


quinta-feira, 7 de abril de 2016

A sombra das mulheres (parte II)














Retalio o belíssimo texto de João Eduardo Ferreira, que reflecte com precisão uma das partes do filme. Direi apenas que não é, na minha opinião, a principal ou a mais importante.

Na minha perspectiva, Phillippe Garrel coloca a tónica da história não na intimidade de ambos mas na intimidade de cada um dos protagonistas, em separado. O que interessa não é o motivo da traição mas o que acontece depois disso.

O cineasta oferece-nos um olhar lacónico sobre a intimidade feminina e a intimidade masculina, separadas pela dupla traição conjugal ou separadas porque assim o foram sempre, por definição, por liberdade de cada um, porque são duas pessoas e não uma, apesar de partilharem as mesmas pulsões, os mesmos afectos, as mesmas paixões, os mesmos desencantos, amando-se por igual. Eis a primeira questão.

A reacção de cada um dos protagonistas à traição do companheiro parece cumprir os preceitos do preconceito social. No homem, permanece o eixo narcísico em torno do qual se agita agora um ciúme obsessivo em relação à mulher. Não questiona, em momento algum, a sua própria traição, que apenas abandona por não conseguir suportar-se enquanto homem traído. Na mulher, o perdão é imediato e o desejo da normalidade também. Por cultura ou maturidade, ficará ao critério do espectador.

Phillippe Garrel não dá respostas. Coloca-nos perante dois sujeitos morais distintos confrontados com a mesma situação, onde o certo e o errado parecem variar de acordo com o género masculino e feminino. O cineasta utiliza a subtileza e a ironia para trazer à tona (ou aprofundar, como queiramos) a dupla moral e os dogmas sociais que a suportam. Dois sujeitos morais distintos? Eis a segunda questão.

O abraço final é a resposta a todas as questões.

FC/Abril2016

sexta-feira, 1 de abril de 2016

A sombra das mulheres

















Título original:
L'Ombre des Femmes
De:
Philippe Garrel
Com:
Clotilde CourauStanislas MerharLena PaugamVimala Pons
Género:
Drama
Outros dados:
FRA/SUI, 2015, Cores, 73 min.



L'Ombre des Femmes, do realizador francês Philippe Garrel, conta-nos a história de uma dupla traição conjugal, catalisadora do ciúme, do anseio, do medo e do amor, entretanto esquecido por entre as paredes de papel florido e com marcas de humidade, de uma casa decadente.

Pierre e Manon, interpretados por Stanislas Merhar e Clotilde Courau, formam um casal aparentemente perfeito, com ela sempre na sombra dele, um realizador fracassado, melancolicamente entretido com a realização de um filme-documentário de um velho resistente francês. A realização deste trabalho sem recursos financeiros é, na verdade, o único elo do casal. O que sobra é o silêncio e a nostalgia, olhados a preto e branco, e a busca da felicidade momentânea em braços alheios.

O peso da cultura ocidental recai sobre ambos, marcando a forma como cada um encara a traição, a sua e a do outro. A amante dele utilizará o preconceito e o narcisismo masculino para prolongar a relação, bebendo da mesma consciência moral. Homem e Mulher, prisioneiros dos dogmas sociais, onde o certo e o errado variam de acordo com o género masculino e feminino. Dois sujeitos morais distintos.

Philippe Garrel mostra-nos um homem e duas mulheres, limpos de todos os excessos tecnológicos e ruídos populares. Tão reduzidos à sua existência que saímos do cinema sem ter a certeza de termos visto algo mais do que uma história banal. A ironia do filme bate-nos mais tarde, no silêncio da reflexão, revelando subtilmente a essência das mulheres num mundo que insiste em as manter na sombra da sua própria intimidade.


FC/Abril2016

sexta-feira, 18 de março de 2016

Falemos da Lula, já que insistem
















A Lula engrossa a fileira dos Molusca, rapaziada invertebrada, às vezes com duas conchas, outras vezes com uma ou então nenhuma. Tem um corpo macio, suportado por uma casca interna, parecida com a pena da ave. Também como as aves, mas não o suficiente para nos confundir, a Lula apresenta uma espécie de bico na boca, a rádula quitinosa, muito útil para rasgar pequenos peixes, camarões, caranguejos e outras lulas, que caça impiedosamente. Dois dos 10 tentáculos estão transformados em fortes mandíbulas, que a natureza não brinca em serviço.
   
Ao contrário do caracol, que tem o pé na «barriga» e se desloca com a maior das calmas, a Lula tem os pés transformados em tentáculos, directamente ligados à cabeça. Portanto, rápida na reacção e ágil na locomoção. Em caso de ataque, liberta pigmentos na água confundindo os predadores. Também tem a capacidade de se camuflar com diferentes cores, a ponto de não se dar por ela. 

O corpo é hidrodinâmico e move-se por propulsão a jacto deslocando-se para trás, por vezes em alta velocidade, surpreendendo os peixes mais próximos. O nome mais certo para a Lula seria Lá-vai-Jacto.

O aspecto mais curioso da sua biologia é o facto de morrerem depois do acasalamento. O amor mata, neste caso. Ele e ela. À conta disso, têm uma vida muito curta. A natureza nunca explicou a vantagem biológica das paixões fatais. 

Resta-me dizer que a Lula é parente próxima do cerebral Polvo, de excelente visão; dos tímidos Chocos, cuja arte é a camuflagem; e do Náutilo, que tem a Via Láctea desenhada na concha e guarda em si a precisão matemática. Um animal de outros tempos. 


FC/Março2016



quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

A Metro Pole, em 20 passos














1. A vida fervilha nos túneis da cidade.
2. Entrecampos, entre pessoas (muitas).
3. A porta automática. 
4. Zip in Zip out, ao som do toque que lembra Psico (iii iii iii).
5. Tudo contente (os de dentro), foi ganha a primeira dificuldade.
6. Apneia em arrumação IKEA.
7. A Inércia é tramada quando nos faltam as mãos e os pés.
8. Campo Pequeno (ufa!).
9. Zip in Zip out, Zip in Zip out, Zip in Zip out (iii iii iii).
(até aqui tudo bem, é o normal)
10. Out. O comboio avariou (merda!)
(novidade: esgueirar-se da estação por entre uma mole mole de pessoas).
11. O metro seguiu vazio. Avaria?
12. Para que lado? Decisão importante.
13. Com licença, desculpe, perdão... avanço lento no sentido da saída.
14. Olha, chegou outro metro. À pinha.
15. Concentração na decisão tomada: EXIT.
16. Campo pequeno entre pessoas. É preciso avançar.
17. A inércia é diferente, fora do comboio.
18. Quase...quase .. ar livre! Que linda é Lisboa!
19. Guardar o Passe Social
20. Avançar a pé, na direcção de João Carlos Gregório Domingos Vicente Francisco de Saldanha de Oliveira Daun, que apesar de apontar com a sua mão direita para o horizonte, não gesticula direcções nem dança como o polícia sinaleiro. Trata-se do 1.º conde, marquês e duque de Saldanha. Outros tempos.

FC/17fevereiro2016
(publicado na revista A Morte do Artista n.º 4)

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

Nas mãos


















Nas mãos
(um plágio errante de Levantado do Chão, de Saramago)

Tão limpas como a fome
Mesmo quando sujas, limpas são
Desenhadas ao cabo da enxada, da foice e da gadanha
Oleadas que baste para não emperrar.
Mãos tristes

Não aprendem a escrever. Mas se o sabem
Apenas escrevem um nome e nenhum outro
A tortura não as quebra, nelas se guarda a esperança
Um papel. Uma decisão.
Mãos silenciosas

Trinta e três razões para abrir as mãos fechadas
Contrariar o destino. Nesse dia
Levantado e principal
Cada uma será uma grande flor.
Mãos reconciliadas


FC/Fevereiro2015

domingo, 24 de janeiro de 2016

A décima primeira candidata



Nestas Presidenciais, votem na 11.ª candidata. Cumpre todos os requisitos: amiga dos animais e das plantas, tem mandatária para a juventude que é do melhor e gosta de comer e beber. É a Maria Política.

Voz do povo (aqui representado por João Eduardo Ferreira): Eu repito! Voto em ti! Tens perfil, mandatária para a juventude e comes bolo-rei, travesseiros de Sintra, pastéis de feijão Torres Vedras, fofos de Belas, bonbons da Arcádia, Dom Rodrigos, Chanfana de Coimbra, Pão de Rala, Bolo do Caco, sarapatel da Portagem. Tudo isso em pleno espírito democrático. Vai uma trouxa das Caldas?


Maria Política a Presidente  (clique para ver o vídeo através do Youtube)







FC/Janeiro2016

quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

O teu sorriso

















É mais que certo
que o teu sorriso contém para lá de 29 músculos.
Compreende o corpo inteiro.
A alma também.

Forte, determinado, afirmativo.
É guardião das pessoas que te abraçam, em memória
e exigente acolhedor de possibilidades futuras.
Um traço de carácter.

Como as tuas mãos o serão,
quando percorrerem músculos e tendões,
em busca do azimute certo.
Da ars medicina.

É mais que certo
que tal arte se reflectirá no teu sorriso,
confirmando a paixão.
Condição necessária e obrigatória em qualquer profissão.



Escrito para a Marta Pina Fernandes, quando completou o curso de Fisioterapia. 
FC/Junho de 2015

segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

José Miguel















A música de David Bowie acompanha-me hoje, num dia muito difícil para a minha família. Oiço a sua música e pergunto-me, haverá vida em Marte (Morte)? Julgo que sim. Uma vida que se acrescenta à nossa memória, que dói também, na nossa saudade, que nos deixa perdidos os cinco sentidos, também o sexto. Mas, a acreditar na Lei Fundamental dos Afectos, que inventei agora, por necessidade imediata, nada se perde, tudo se transforma. Assim, uma vida perdida é uma vida que se ganha, de outra maneira. Uma espécie de renascimento. E sempre que nascemos, choramos. Por isso choramos tanto.
Marte recebe hoje David Bowie e José Miguel. Há vida em Morte, sim. Tem de haver. A vida partilhada não morre. Fica. Empurra-nos para a frente, na direcção de mais Vida. Ganhei hoje um pedaço dessa estranha forma de vida. Tem nome próprio, José Miguel. Obrigada, tio. Ser-lhe-ei sempre grata.

FC/11janeiro2016