video de Margarida Cardoso Martins.
Apresentação do meu texto «O Luís Miguel quer ir para o Panteão Nacional», incluído no livro BI - caderno de Identidade.
Meus
senhores, boa tarde.
Agradeço
a todos a amabilidade de virem ao nosso encontro e partilhar este final de dia
de forma diferente, e sobretudo agradeço aos nossos convidados: Rui Cardoso
Martins, Manuel Halpern e Firmino Bernardo, por terem tido a paciência de ler
os nossos textos e dizer de vossa justiça. Serei breve na minha intervenção.
Três
textos e um prefácio, quatro autores, quatro moradores do mesmo livro. Escritas
diferentes, identidades diferentes, propriedade intelectual diferente, número
de página diferente. Estou muito bem acompanhada pelos meus vizinhos escritores
e beneficio dessa proximidade. Eu e o catalão Iñigo Maçainhas Fuent Volt, que
se passeia nos três textos.
Neste
livro, habito o lugar do meio, entre o «provar quem sou» e «eu, por ti, me
identifico». Moro nas palavras-furtadas deste prédio. Palavras furtadas pelo
simples acto de ler. Sou uma leitora que se apropria das palavras e das ideias
dos livros que lê. Não sou uma escritora.
Furtar
palavras não é fácil. Não há uma fórmula. Mas foi assim, num acto de rebeldia, sem
pedir licença, que os filósofos Hannah Arendt, António Marques e Eduardo
Lourenço, o historiador Tony Judt, o sociólogo Manuel Castells, o cineasta Jean
Luc-Godard, os escritores Mário de Carvalho, Rui Cardoso Martins, Eça de
Queiroz, Gonçalo M Tavares (que me trouxe Eurípedes), Italo Calvino, Lewis
Carroll, Miguel Cervantes, José Saramago, Luís de Camões e Fernando Pessoa
entraram no meu conto.
Um
conto ensaiado ou um ensaio contado ou nem uma coisa nem outra. Um texto pouco
obediente às regras da literatura, certamente desobediente às regras da
academia científica. A história decorre no Mercado Municipal, mas existe uma
tese por detrás da história: a importância da identidade na cidadania.
Quase
todas as personagens são fictícias mas beberam do espírito possante das gentes
e dos mercados reais, lugares que nos obrigam a estar bem atentos. Vivemos ali a
experiência dos cinco sentidos. Ou melhor, dos seis.
A
personagem principal é Adelaide, filha de Manuel Espada e neta de João
Mau-Tempo, todos personagens fictícias de Levantado
do Chão, livro de José Saramago. O tempo passou por Adelaide. Tem agora 62
anos.
O
homem-manifestação que aparece na Véspera de Domingo, é real. Veio directamente
de Lisboa, da Manifestação de 15 de Setembro de 2012, em busca de ouvintes nas páginas
deste conto. O discurso que pronuncia é da sua autoria. Eu limitei-me a ser a
sua caneta. Terá agora, sem o saber, alguns leitores. A democracia aprende-se
muito devagar, portanto, o que o homem-manifestação disse antes é válido hoje:
não deve haver vazios em democracia, não deve mentira em democracia.
Luís
Miguel, que dá título ao conto ensaiado, é inspirado em Luís Manuel, personagem
real, assíduo do Mercado Municipal da cidade onde vivo. Tanto um como outro manifestam
alguma dificuldade na aprendizagem, têm internet, sabem usar o multibanco e
fazem contas de cabeça. Estão ambos fora da atitude consumista e da
normalização do comportamento, próprios do fenómeno social, mas também não
conseguem assumir responsabilidade com a durabilidade do mundo e com a
liberdade, próprias do agir político. Luís Manuel também emprestou a Luís
Miguel a sua curiosa metafísica, ou seja, a vontade de ir para o Panteão
Nacional. A propriedade e a impropriedade de Luís Manuel chamaram-me a atenção.
É uma pessoa diferente, mas perfeitamente integrada num lugar que foi sempre
capaz de aceitar a diferença. Um lugar distinto, plural. Talvez possamos
aprender um pouco com este modo simples mas intenso de viver a proximidade.
A
ideia de escrever sobre a Identidade nasceu precisamente da proximidade. Num
dia igual a tantos outros, quando, descontraídos, nós três celebrávamos a amizade
com filetes de peixe-galo, feijoada à transmontana, um copo de vinho, sobremesa
caseira e uma boa gargalhada. Rui Cardoso Martins brindou-nos com um prefácio à
Rui Cardoso Martins. Não há outro igual. Muito obrigada. A editora By The Book deu
corpo à nossa ideia. Editou este livro que vos convido a ler, em silêncio e com
tempo, quanto mais não seja, para contrariar a insustentável leveza das moscas,
dos políticos-mosca e das cidades-mosca, que transformam a nossa vida em facto
alternativo. OBG.
Abril/2017
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