segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

Vamos lá agarrar o touro pelos cornos, deputados desta nação (e afins)


















Embora cobra que não ande não coma sapo, saibam que a política não deve confundir-se com a ocasião que faz o ladrão, mesmo sabendo que ladrão que rouba a ladrão tem cem anos de perdão. Já cansa a moralidade do papagaio que come o milho, deixando o periquito levar a fama. Já não se aguenta a pimenta nos olhos dos outros (que somos nós) a saber-vos a refresco. Mais vos vale um pássaro na mão que dois a voar, bem sabemos e bem sentimos, mas lembrai-vos: água mole em pedra dura, tanto dá até que fura. Somos gatos escaldados, não queremos mais água, nem fria nem quente.

Se há provérbios a modificar, tomem lá um: casa onde não há razão, todos ralham e ninguém tem pão. É isto, senhores! É isto. É isto que vivemos, uma casa onde todos os princípios são voláteis. Que diabo é este frenesim de não respeitar os signos, os compromissos, o senso comum, as pessoas, o povo, a Língua? Chega! Não queremos ser brioches nem fantoches.

Os palhaços têm lugar no circo, não na vida que nasce torta. Insistir no populismo e na ignorância é caminhar a passos largos para o erro. Sim, sim, errar é humano, como pisar duas vezes na mesma pedra. Nenhum outro animal o faz, só o tolo do homem porque se esquece da capacidade dos sentidos. De todos os sentidos, o do político também. Esquece muito a quem não sabe, pois é. Falta de vida vivida e também de leitura, de Literatura, de História, de Filosofia, de Matemática, de Biologia, etc. Quem não quer ser lobo não lhe vista a pele (espera! este provérbio pode dizer-se? não sugere arrancar a pele ao pobre do lobo para a vestir? mas se o lobo comeu a avozinha, talvez não faça mal).

Em terra de cego esbugalhado quem tem olho é rei. Está mais que provado. Mas por favor, não nos atirem reis nus, que a presunção é a mãe de todas as asneiras. Senhores da Corte, por via das dúvidas, calai-vos, porque em boca fechada não entra mosquito e poupam-nos ao disparate. Recomenda-se, em alternativa, a leitura dos ditados populares, já que a demais parece ser coisa complexa e supérflua nos tempos que correm.

A raposa tanto vai ao ninho que deixa lá o focinho. E o que acontece depois? É certo e sabido que cada um se deita na cama que faz. Tomem nota, senhores políticos: não gozem com o mal do vizinho que o vosso vem a caminho. Águas passadas não movem moinhos, mas elas desenharam o leito do rio. Lembrem-se sempre que quem com ferro mata, com ferro morre, e ao cair no chão, do chão não passarão, mas comerão o pão que o diabo (vós próprios) amassou, aprenderão a fazer omeletes sem ovos e a caçar com gato por não terem cão. Tem-se outra perspectiva, quando a vida é vista a partir do chão.

Um homem prevenido vale por dois, e se vale a dobrar, em política tem outro valor. A essa faculdade de «multiplicar-se» nas demais opiniões chama-se autoridade. É pelo juízo crítico balizado na humanidade, que um homem se faz grande, se faz actor político. Ser peixinho porque se é filho de peixe é pouco. É preciso mais que isso, é necessário aprender a distinguir gatos pardos, sobretudo à noite, e é obrigatório conhecer os espinhos da rosa. Deus não tem nada a ver com isto, apenas ajuda quem madruga. Se ferradura trouxesse sorte, o burro não puxava carroça.

Quem vos avisa, amigo é. Deixem de ser cavalos que voam com esporas. Voem sem esporas, caramba, mas não se esqueçam que a pressa é inimiga da perfeição. Matar dois coelhos de uma machadada só, em certos casos espicha sangue para todos os lados. Reparem na galinha, animal que tomamos como burro mas que enche o papo grão a grão. Façam como a galinha, senhores políticos, e alimentem-se de juízo, grão a grão. Leite de vaca nunca matou bezerro.

Nada como um dia depois do outro (um dia da caça, outro do caçador, segundo dizem). Por isso, cautela, porque enquanto nos atiram areia para os olhos, vamos nós reparando nas diferenças dos gatos pardos da noite. Somos macacos a aprender a distinguir os ramos secos. E se a César o que é de César, um dia a Primavera far-se-á novamente com todas as andorinhas. Para bom entendedor…

FernandaCunha/Dez2018

quarta-feira, 8 de agosto de 2018

Poema para o Brutus





















O silêncio é um íntimo instante
prenhe de desconstrução,
movimento felino,
desinvenção.

Se, neste destempo,
o sorriso tomar a forma de sete vidas
despidas de ciência ou razão,
então saberemos que tudo desconhecemos.

Talvez assim, neste desabandono,
possamos renascer
no beijo do gato
que nos olha com atenção.

FC/Ago2018



segunda-feira, 2 de julho de 2018

Alentejo
















Memórias de um tempo desinquieto, vivido em pergaminhos de silêncio quente. 
Escritas a água de barro, alcançada por mão de cortiça, e aroma humano como aconchego.
Guardo-te todos os nomes. 
Repousa agora no velho colchão de palha,  meu querido vale travesso. 



FC/Julho2018




segunda-feira, 19 de março de 2018

Pai

















Do meu pai, não esquecerei as mãos. Grandes, sábias, decididas, protectoras. Traçando caminhos, sem nós nos darmos conta, indicando caminhos, quando e apenas se solicitado. Nas suas mãos, a família inteira. De forma discreta, sem barulhos. Meu pai, meu amigo.

FC/19Março2018

quinta-feira, 15 de março de 2018

No Intervalo do Tempo


















Chegamos ao mundo com um grito e depois somos,
até que a morte nos deixe por cá, 
guardados na memória de quem nos tenha amado.

FC/Mar2018

A Amizade















Sobre a Amizade, talvez a forma mais bonita de amar, expressão maior da lealdade, diz-nos tão bem Fernando Pessoa:

«Meus amigos são todos assim: metade loucura, outra metade santidade. Escolho-os não pela pele, mas pela pupila, que tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante. Escolho meus amigos pela cara lavada e pela alma exposta. Não quero só o ombro ou o colo, quero também sua maior alegria. Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto. Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade. Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos. Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça. Não quero amigos adultos, nem chatos. Quero-os metade infância e outra metade velhice. Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto, e velhos, para que nunca tenham pressa. Tenho amigos para saber quem eu sou, pois vendo-os loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que a normalidade é uma ilusão imbecil e estéril»
(Fernando Pessoa)

Março2018

terça-feira, 9 de janeiro de 2018

As roupas e o discurso político














(texto escrito em Abril de 2012)


“Vou procurar responder a todas as questões, mas se me esquecer de alguma vocês
digam: Oh Jorge, está a esquecer-se da minha pergunta!”. O Jorge é o Chefe de
Gabinete do Secretário de Estado da Administração Local e Reforma Administrativa e
representou o Governo na sessão de esclarecimento sobre a proposta de lei que
extinguirá cerca de 1400 freguesias, em Évora, no dia 28 de Março. O público a que se
dirigia, e onde eu me encontrava, era constituído por autarcas de todo o Alentejo.
Naquele momento, tive a impressão que o Jorge vestia calções de ganga e uma
camisola bem divertida, que éramos velhos amigos e nos encontrávamos ali para
beber umas cervejitas e trocar umas palavras de ocasião. Mas o Jorge estava ali para
nos esclarecer sobre um assunto muito sério, que determinará o poder local nos
lugares mais pequenos do Alentejo.

Quando nos foi explicado que as aldeias e vilas não fecham pelo facto de ficarem
sem Junta de Freguesia e que os edifícios não saem dos sítios onde estão, fiquei com a
sensação que tinha trazido o bibe da primária e que a minha expressão seria a de uma
menina espantada com a descoberta sobre os edifícios que, apesar de terem sapatas,
não andam. Curiosamente, a mesma explicação foi dada por Rui Rio dias depois,
quando comentava, em televisão, a manifestação contra a extinção de freguesias, que
aconteceu no dia 31 de Março, em Lisboa. Rui Rio declarou-se enternecido pela
simpatia do povo do campo, gente boa e humilde, bem comportada nos cantares e nos
falares, mas gente que não compreendeu a proposta de lei apresentada pelo Governo.
Explica, então, que os edifícios não vão sair das vilas e das aldeias porque os edifícios
não andam. Mas seremos completamente burros, apesar de simpáticos?!

Rui Rio ficou enternecido porque viu na manifestação não uma afirmação política
mas sim uma afirmação etnográfica. Numa demonstração da sua própria identidade,
as pessoas foram a Lisboa trajadas de caretos, chocalheiros, gigantones, etc. Trajes
populares do Minho ao Algarve. Os ranchos folclóricos, as associações culturais,
recreativas e desportivas estiveram também presentes. Se aplicarmos a metáfora da
roupa, diria que a manifestação falhou nos trajes que escolheu. As danças e cantares
folclóricos e restantes manifestações etnográficas caem noutras esferas da sociedade,
diferentes da esfera política. Por isso não foram entendidos como um verdadeiro
protesto político. Embora tenha ficado visível a vontade colectiva das populações, as
200 mil pessoas que se manifestaram com outra voz e outros trajes apenas
enterneceram os decisores políticos, em vez de os fazer estremecer.

O exemplo político deve vir de cima mas, infelizmente, o politicamente correcto
está longe da actual classe política. É próprio do actor político ensaiar os actos, as
declarações e os comportamentos da sua “persona” pública. É até desejável que o
faça. Mas a bipolaridade dos políticos chega a ser dolorosa. Se estivermos em tempo
de eleições, os candidatos retiram a gravata, arregaçam as mangas, usam boinas e
aproximam-se do povo. Não perdem a oportunidade de aparecer no pequeno ecrã, o
palco mais apetecido de todos, onde prometem representar o povo em todas as
circunstâncias. Imediatamente após o período eleitoral, por vezes na própria noite da
vitória, os vencedores mudam o comportamento. Colocam a gravata, vestem fatos de
marca, invariavelmente azul ou cinzento, usam bandeirinhas de Portugal na lapela,
assumem uma pose de Estado. Trocam as Vespas pelos automóveis de luxo e
verborreiam prepotência e paternalismo, quando não conseguem escapar às câmaras
de televisão. O valor público é esquecido, assim como as promessas ao povo, que
passou a ser um fardo, uma tremenda despesa, um bando de gente preguiçosa e
ignorante que é preciso domesticar.

A ordem doméstica é o oposto da ordem política democrática, pois baseia-se na
resolução das necessidades e não no cumprimento das liberdades. Tem um cariz
puramente económico e ditador. Uma política de trazer por casa é uma política menor.
Tem apenas uma perspectiva, a do governante, que age como se fosse um chefe de
família. O discurso é paternal. Sim, é verdade que o ano 2015 é imediatamente
consequente ao ano 2014. Salazar também resolvia tudo sozinho, mas esses foram
outros tempos. Porém os tempos voltam. Começa a ser importante exigir que a
postura doméstica fique em casa, onde é o seu lugar.

Não admira que o representante do Governo tenha sido tão exageradamente
informal no encontro com os autarcas alentejanos. Uma tentativa de criar uma falsa
proximidade, viciar o diálogo, torná-lo menos político. O nacional porreirismo do tu cá
tu lá esconde uma intenção: anular a capacidade política da plateia, menosprezar a sua
inteligência e experiência, e fazer valer o poder executivo que representa. Aliás, no
discurso de abertura do encontro, o anfitrião António Costa Dieb, presidente da CCDR
Alentejo, vestido com a formalidade que se impunha, esforçou-se por nos convencer
que seria uma sessão de esclarecimento sobre a proposta de lei e não uma discussão
política. Pediu-nos para nos cingirmos apenas às questões técnicas. Resumindo: meus
senhores, a proposta é esta, nós explicamo-la com todo o gosto, mas não a discutimos.

Fomos desobedientes. Cumprindo o papel de mediadores, responsáveis por
inscrever a identidade da freguesia nas esferas políticas de nível superior, a plateia não
perdeu a ÚNICA oportunidade de manifestar a sua posição política. (In)vestidos com o
rigor que merecem as populações que representam, os autarcas defenderam os seus
pontos de vista. Houve unanimidade na plateia, independentemente da cor da
camisola. A extinção de freguesias do interior é INACEITÁVEL porque: (1) põe em causa
o sistema democrático português tal como o conhecemos; (2) põe em causa a
condição de igualdade e representatividade políticas; (3) põe em causa a coesão
nacional; e (4) destrói o serviço público de proximidade.

Em tempos de crise é fundamental a maturidade política. Winston Churchill,
primeiro-ministro do Reino Unido, foi Prémio Nobel de Literatura (1953). Tenho
saudades de um bom discurso.

(escrito sem acordo ortográfico)

Fernanda Cunha
13 de Abril de 2012